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Maio 09, 2012
Nuno M. Albuquerque
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Maio 09, 2012
Nuno M. Albuquerque
Maio 03, 2012
Nuno M. Albuquerque
É comum, quase diário, ouvirem-se clamores das mais altas figuras do sistema judiciário, juízes incluídos, sobre a dificuldade em perseguir e punir a corrupção, invariavelmente, acrescentam, por “falta de meios”.
A decisão que hoje se conheceu sobre o Dr. Ricardo Sá Fernandes é de fazer chorar as pedras da calçada.
Para o próprio, que não conheço mas estimo, creio ser apenas mais uma medalha. Ainda assim, dispensável.
E o que dizem os preclaros Desembargadores?
Dizem pouco, mal e num tom impróprio de juízes que se querem, por dever de ofício, imparciais. Perpassa por todo o acórdão um tom jocoso que não se percebe de onde vem. Mas percebe-se para onde vai.
Vejamos, sucintamente, a decisão. (decisão integral, aqui.)
Por que foi o Dr. Ricardo Sá Fernandes condenado?
Estando em causa o crime de gravações ilícitas, consideraram os insignes Desembargadores que:
- a situação de perigo foi criada pelo arguido;
- os direitos em disputa (o “direito à palavra” e o direito ao “bom nome”) equivalem-se e, como tal, não há que valorar um em detrimento do outro.
Refira-se a propósito que, sobre esta mesma matéria, havia já uma decisão absolutória e uma resposta do M.P. ao recurso interposto, ambas no sentido de que se verificavam integralmente os pressupostos de exclusão de ilicitude que sustentaram a decisão da 1ª instância.
E o que decidiu a Relação? Tratou de atacar de forma sibilina os pressupostos da causa de exclusão de ilicitude e ainda de considerar nula a sentença, imputando-lhe uma deficiência de fundamentação de um facto não provado, em razão da qual considera haver erro notório na apreciação da prova.
E que facto é este? O de que o arguido agiu conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta (não provado em 1ª instância). E como o faz? Apelando à qualidade de “técnico de direito” do arguido e, em consequência da impossibilidade, também técnica presumo, de desconhecer a “ilegalidade” da sua conduta.
Ora, este raciocínio é, não só, falacioso, como serve para sustentar a exacta tese oposta.
É que, sendo “técnico de direito”, o arguido ao actuar como actuou fê-lo na profunda convicção de que a sua conduta tinha legitimação legal (causa de exclusão de ilicitude) e não de que estava a praticar um crime.
Quiçá órfãos de meios para perseguir a corrupção, os Senhores Desembargadores tiraram a conclusão oposta, quando é certo que a lei e os princípios gerais de direito aplicáveis ao caso sufragam esmagadoramente a posição contrária.
Não satisfeitos, e já garantida a nulidade da sentença por via de uma sempre prestimosa falta de fundamentação da matéria de facto “convolada” em erro notório de apreciação de prova, avançaram para a destruição dos pressupostos da causa de exclusão de ilicitude invocada (direito de necessidade).
A 1ª instância considerou verificados os requisitos de perigo, a sua actualidade e iminência, bem assim como a superioridade do interesse a salvaguardar.
Já a Relação consegue destruir um a um todos os requisitos em questão. E fá-lo, diga-se em abono da verdade, com recurso a uma retórica nem sequer muito elaborada. Mas que é, a todos os títulos, espantosa.
Vejamos:
“ O arguido não foi confrontado com qualquer situação de perigo”.
Mais. Foi ele que a criou.
Como!?
Assim: O telefonema do corruptor (acho que já se pode dizer) não criou qualquer perigo, tendo sido a anuência (ardilosa) do arguido em comparecer à reunião que criou intencionalmente o perigo.
Este raciocínio é desastroso. E irracional. Senão vejamos: no telefonema em questão não há nenhuma proposta “indecente”. Logo, em rigor, não há nenhum crime ou sequer tentativa.
Até aqui tudo certo.
O arguido podia, legitimamente, admitir como possível que na dita reunião pudessem surgir, ou não, propostas menos sérias. Podia. Mas não sabia se tal ocorreria.
Ora, o que efectivamente sucedeu foi que no tal encontro o corruptor veio a efectuar uma proposta de aliciamento do arguido. Ora, foi aqui, neste momento, e não antes que a situação de perigo se verificou. Os Venerandos Desembargadores entenderam que o facto de o arguido ter ido munido de um telemóvel com o qual acabou por gravar a conversa, afasta a possibilidade de se considerar verificado o perigo, uma vez que, pasme-se, o mesmo foi criado pelo arguido.
Trocando por miúdos: com a simples anuência na realização de uma reunião, cujo teor efectivamente desconhecia (mas de que não lhe era proibido desconfiar) e ainda pelo facto de ir munido de um telemóvel com o a qual gravou a conversa, o arguido espoletou no corruptor a vontade indomável de o corromper!
Creio ser bastante evidente, para o homem médio, que o arguido não motivou qualquer pulsão para o crime no corruptor. Mesmo admitindo como possível tal facto, anuir à realização de uma reunião, cujo teor se desconhece, não é, de nenhum modo, criar a situação de perigo e com isso afastar a causa de exclusão de ilicitude.
Assim, e em face do momento em que a situação de perigo efectivamente ocorreu é manifesto que a mesmo era actual e iminente.
O Tribunal preferiu considerar que o facto de o arguido ir “precavido” para o encontro faz dele um criminoso.
Por último, no que importa ao requisito da “superioridade do interesse a salvaguardar”, a Relação considera que o “direito à palavra” e o “direito ao bom nome” se equivalem, não havendo nenhuma razão atendível para fazer soçobrar um em detrimento do outro. Recorde-se que por “direito à palavra” quer-se significar, no caso concreto, uma proposta de corrupção. Lê-se, mas não se acredita.
Mas nem tudo é mau. Com este acórdão é posto um ponto final em todos os processos em que a liberdade de expressão contenda com o bom nome de quem quer que seja, uma vez que, de acordo com a tese defendida, não há razão para privilegiar o segundo em detrimento do primeiro.
Last but not least.
Num assomo de arrogância intelectual e num tom de gozo impróprios de uma decisão judicial, os Senhores Desembargadores permitem-se (pretensamente) fundamentar grande parte da sua decisão no mesmo Parecer do Prof. Costa Andrade que havia sustentado parcialmente a decisão absolutória. Como quem diz, somos tão, mas tão bons, que conseguimos pegar no mesmíssimo Parecer que V.Exa. encomendou e pagou para “se safar” e utilizá-lo para o condenar. Somos os maiores!
E depois o que lhes falta são “os meios”.
Irra, que é demais.
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